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Todo fim de semestre é sempre a mesma coisa. A maioria dos orientandos reclamando da falta de atenção e tempo disponível do seu orientador. Realmente isto prejudica o desenvolvimento do seu projeto. Mas… você sabe POR QUE teu orientador não lhe dá a atenção ou tempo que deseja nessas horas?

Vamos exercer uma coisa chamada empatia – ato de vivenciar as experiências e emoções como se fosse a outra pessoa, no caso, seu orientador – e tentar ver onde é que estão as principais causas de tamanha falta de atenção e disponibilidade de seu orientador.

CARGA DE TRABALHO

Vamos começar pela mais óbvia. Não sei se algumas pessoas sabem, mas ser professor não é só dar aula. Sim, é sério, eles têm vida também. E outras atividades. Mas vamos imaginar incialmente que eles ocupem toda o seu dia apenas dando aula.

HORAS-AULAS

Em quantos cursos ele dá aula? Quantas matérias diferentes? Quão (sempre quis usar esta palavra) diferente é o nível das aulas – uma aula na graduação é mais fácil que no mestrado, que é mais fácil que no doutorado… e assim por diante.

Mas tem um detalhe. Antes de dar a aula, é necessário PREPARAR a aula. E isto leva um tempo – mesmo se o professor dá a mesma matéria a anos. Lembra quanto tempo você levava para preparar uma apresentação de 15 minutos? 2 horas? Mais? Que improdutivo que você é.

Com os professores que pude abordar e discutir sobre o tema, me informaram, em geral, que levam mais uma hora e meia para preparar uma hora. Contando TUDO. Desde preparar a aula, materiais complementares, corrigir trabalhos, provas e seja lá mais o que foi feito. E você se achando ninja quando demorava menos de uma hora para preparar 10 minutos de apresentação. Quanta ingenuidade.

Ah, com os poucos que conversei, também notei uma média de horas-aulas semanais. Cerca de 8-12 horas-aulas por semana em sua grande maioria. Ou seja, “só” para dar aula, em média, ocupa mais da metade da carga horária semanal do professor – isso se o professor for 40h, mas alguns são apenas 20h, ou seja, sem tempo para você.

FUNÇÕES ADMINISTRATIVAS

As instituições de ensino são formadas basicamente por professores. Existem outros funcionários, mas as principais funções são exercidas por professores. Isto inclui atividades como responsável por laboratório – comprar materiais, organizar uso, resolver conflitos, problemas, equipamentos quebrados, etc. – coordenador de curso – ouvir um bando de adolescente reclamando do quanto sua vida é difícil e o curso não é como eles sonhavam – e reuniões de colegiados, onde é discutido o futuro do seu curso, além das funções de diretoria da sua instituição.

É óbvio que nem todas estas atividades são acumuladas. Se o professor exerce, é apenas uma delas. E claro que ele deve ter menos aulas para dar se tem um cargo “extra”. Então vamos contar este tempo como complementar aos horas aulas, padronizando o tempo para aula e funções administrativas em 30 horas semanais.

PROFESSOR-PESQUISADOR

Em instituições de ensino sérias, ser professor não é “apenas dar aula”, mas também realizar pesquisas. Isso significa que o professor terá que dedicar tempo a reuniões e atividades do seu grupo de pesquisa, e com seus projetos particulares.

Nessa parte podemos incluir também todos os orientandos, afinal estamos falando de pesquisa, que vai desde TCC até teses. Novamente, com os poucos professores que tive contato para discutir sobre este assunto, informaram ser comum ter cerca de quatro orientandos por semestre, dedicando cerca de duas horas semanais para cada. Contando neste tempo as reuniões para orientar, tempo para responder e-mails e claro, corrigir suas versões do trabalho.

Não perca a conta. São cerca de 30 horas semanais para preparar, dar aula, exercer funções administrativas e mais 8 horas com seus orientandos. Totalizamos 38 horas semanais ocupadas apenas com ROTINA.

Ok. Pode ter tempo de sobra ai. Talvez. Esse tempo médio considera o fluxo de trabalho como igual ao longo de todo o semestre. Bem, todos sabemos que não é igual ao longo de todo o semestre. Todos sabem o inferno que é todo fim de semestre.

FIM DE SEMESTRE

É justamente nesta época que você vai reclamar da “falta de tempo” do seu orientador. Mas, lembre-se. Nas últimas semanas, ele não tem APENAS teu projeto para orientar, provavelmente tem outros três. Não tem só tua turma para fechar, tem outras.

E é aqui que a maioria dos problemas acontecem. Portanto, coloque-se no lugar do seu professor – exerça a empatia. Não deixe tudo acumular para a última hora. Se organize, se programe, e evite problemas de última hora. Assim você facilita a vida do seu professor, e ele terá prazer e vontade de lhe orientar.

Achou que acabou né? Está só começando. Ainda tem outras questões que podem dizer porque teu orientador não te orienta (como você deseja, pelo menos). Existem outros motivos que pode explicar a “rejeição”. Um deles é os objetivos de carreira do seu professor.

OBJETIVOS DE CARREIRA

Talvez você não tenha olhado por esta perspectiva, mas professores tem carreiras profissionais a zelar – mesmo os funcionários públicos. E a carreira de professor gira em alguns itens de “produtividade”.

NÍVEL DE PESQUISADOR NA CAPES

O primeiro e mais importante, com certeza, é elevar seu “nível de pesquisador na CAPES”. Mas por que isto é importante? Basicamente é este nível que define os recursos que o pesquisador pode buscar, como bolsas de produtividade para si, financiamentos de pesquisas e claro, as bolsas para seus orientandos (PIBIC, mestrados e doutorados).

Ou seja, para seu professor, é importante produzir pesquisas cada vez mais relevantes, que pontuem mais, para assim ele conseguir mais recursos pelo seu nível de pesquisador. E isto é um “ciclo vicioso”, pois com mais recursos, mais pesquisas relevantes podem ser feitas, pontuando mais, conseguindo mais recursos…

PROMOÇÃO DE CARGO E SALÁRIO

Provavelmente seu salário e cargo são promovidos conforme ele é mais “produtivo” para a instituição de ensino. E convenhamos, talvez a única coisa que um professor pode ser mais produtivo, e produzindo pesquisas mais relevantes, publicando em periódicos cada vez mais importantes. Ou quem sabe tornando seu nome (e por consequência o da instituição) mais conhecidos. Como? Publicando estudos relevantes que gerem mídia.

Por fim, o terceiro na verdade é consequência dos dois primeiros. É incrementar seu currículo Lattes. Se seu professor pretende troca de instituição, ser promovido nela ou buscar recursos para suas pesquisas, quando maior e mais relevante for seu currículo, será mais fácil conseguir o que precisa.

Isto tudo significa que seu orientador vai encarar a sua pesquisa como um meio de incrementar sua carreira. Ou seja, se o que você quer fazer, do jeito que você quer fazer, pode ajudar na carreira dele, pode ter certeza que ele lhe dará atenção. No fim, tanto você quanto seu professor querem crescer em suas carreiras. Isso é a coisa mais normal que existe.

Portanto, tente achar um ponto de equilíbrio, em que possa estabelecer uma relação ganha-ganha com seu orientador. E como fazer isto? Alinhando sua ideia aos temas de interesse do seu orientador. A falta de alinhamento é outro motivo de desinteresse do seu orientador contigo.

TEMAS DE INTERESSE EM PESQUISA

Isso também é óbvio, mas talvez de tão óbvio, nunca o consideramos. Eu passei por isso durante meu mestrado. Meu orientador tinha como interesse minha área de pesquisa cerca de 5 anos atrás (época que concluiu seu doutorado). Só que durante as orientações notava uma pequena falta de alinhamento com o tema.

MUDANÇA DA ÁREA DE INTERESSE

Mesmo ele sendo extremamente dedicado, quando terminei minha revisão de literatura, notei claramente este desalinhamento. Afinal fiz uma excelente revisão, coletando muitas pesquisas recentes importantes, das quais algumas ele desconhecia. Isto foi o sinal de que este tema já não era o foco principal de interesse dele. E refletindo, o fato dele ter mudado de coordenação, e as próprias matérias que ele estava dando aula, ficou ainda mais claro.

Mas isto quer dizer que foi erro dele comigo? Absolutamente não. Faz parte da vida. Temos interesses, e eles podem mudar ao longo do tempo. Eu mesmo no meio do mestrado pensei em trocar de área de pesquisa (e me arrependo de não ter feito isto).

Cabe a você orientando, interpretar isto, e ver onde você pode tirar proveito desta relação. No meu caso, meu orientador ainda era o melhor na técnica estatística que eu usaria na minha pesquisa. Isto era suficiente para mim. Conhecer a área de pesquisa era minha obrigação. Inclusive era minha tarefa – obter tal conhecimento com a revisão da literatura.

RELEVÂNCIA DO TEMA

Ok. Mas se você está fazendo a pesquisa exatamente na área de interesse do seu orientador, por que ele ainda não lhe ajuda? Talvez porque o seu projeto de pesquisa não tenha relevância científica.

Isto significa que seu professor não vê futuro útil no seu trabalho, e claro, se ele tiver outros alunos com projetos mais relevantes, é natural que dedique o seu tempo para os outros. É seu dever assegurar a relevância do seu estudo. Não faça algo apenas para “cumprir tabela”.

Certo. Mas ainda assim não estou convencido que seja algum destes motivos. Bem, depois de eu citar os diversos motivos que existem na vida do orientador e na relação orientando-orientador, só sobrou analisar uma coisa. Talvez você seja o problema.

POTENCIAL DO ORIENTANDO

Sim. Você pode ser o problema. Acredite, nenhum professor vai arriscar seu precioso tempo com alguém que lhe deu todos os indícios que vai falhar. Sério, nem você quer um orientador assim, por que ele deveria querer um aluno assim?

VONTADE DE FAZER

Se você durante a faculdade inteira deixou de fazer alguns trabalhos, atrasava outros, fazia “meia boca” … Qual será a mensagem que você passou aos seus professores? De pessoa comprometida é que não. E isto só está sendo refletido agora com seu orientador.

Ninguém acredita em milagres. Não será justo agora, no fim da faculdade, numa das mais trabalhosas tarefas, que você será o melhor aluno do curso. Então aceite o fato que você não terá muita atenção e ajuda nesta tarefa.

Aprenda então a se virar “sozinho”, e demostre inciativa. Comece a entregar as coisas antes do prazo, a fazer mais do que teu orientador está pedindo. É o que você pode fazer. Talvez assim ele lhe dê crédito e resolva dar um pouco mais de atenção.

Ok. Talvez tenha sido muito duro nesta análise. Talvez você nem seja este tipo de aluno problemático. Então o problema pode estar no que você quer fazer.

OBJETIVO COM A PESQUISA

Tudo gira novamente na relevância do que você quer fazer, como você quer fazer e onde quer fazer. Todos estes fatores são importantes para seu orientador. Afinal, ele vai avaliar a viabilidade prática da sua pesquisa.

Pode ser que você deseje algo que exija muito do seu orientador. Por exemplo, você quer fazer uma pesquisa dentro da própria instituição. Isto claramente implica que quem deverá correr atrás de autorização, querendo ou não, será o seu orientador.

Ou você sabe que seu orientador tem contato com determinada empresa do seu interesse. É muito complicado para seu orientador sempre ficar “pedindo favor” a seus contatos. Isto pode desgastar essas relações. Nem você gostaria de perder algum bom “network”, no qual batalhou tanto para estabelecer. Não será o seu orientador diferente nesta situação. Você pode deixar ele desconfortável com seus contatos. Reavalie e busque por conta própria uma alternativa mais viável.

PUBLICAR A PESQUISA

Outro ponto que deve analisar, é o que você quer futuramente com este estudo. Vai publicar? Onde? Vale a pena para seu orientador? Vai lhe ajudar “contar com isto” no seu histórico, currículo Lattes? Lembra lá no início do texto sobre os objetivos de carreira do professor?

Seu trabalho precisa render frutos para o orientador. Ele precisa ser relevante cientificamente, ser publicável – não precisa você publicar, basta executar perfeitamente, se precisar seu professor escreve e publica o estudo.

Enfim, você precisa agregar valor para ele lhe agregar valor. É uma das regras básicas da vida. Todos gostamos e cultivamos boas relações quando elas são do tipo ganha-ganha. Ambos precisam ter benefícios nesta relação. Se não, não terá relação.

MINHA RELAÇÃO COM MEU ORIENTADOR

Esta análise foi fundamental na minha vida. No meu TCC, meu orientador dava 11 aulas semanais, tinha outros 4 alunos, estava começando a se envolver com programas de mestrado. Como você deve ter percebido, eu precisava fazer algo de grande valor para ele dedicar um certo tempo para mim.

Como eu tinha interesse em uma parte do assunto que ele defendeu em seu doutorado, me ofereci para dar “continuidade” numa parte daqueles estudos. Me dediquei a fazer um bom projeto de pesquisa, publicável.

Resultado. Tive muita atenção na parte final, nas conclusões do estudo – muita ajuda mesmo. E claro acabei publicando num congresso internacional da área (congresso brasileiro) e ele publicou “sua versão” do meu estudo em outro congresso de nível internacional, só que na Europa. Ponto para ele, ponto para mim.

Espero com este (longo) artigo, que você reflita corretamente sobre como vai estabelecer a relação com seu orientador. O que você pode fazer, quanto valor você pode agregar para ele, e assim ele agregar para você. No fim, o que importa é você fazer um projeto de pesquisa de qualidade, inquestionável. Como fazer? Bem, leia meu artigo sobre este assunto.

Tem uma excelente matéria da Gazeta do Povo (jornal paranaense) que explora algumas relações e pontos que não abordei neste artigo sobre a relação orientando-orientador. Confira a máteria neste link.


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